quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Perdão por ter mentido, pai

Quando fiz seis anos meu pai começou a me levar para a roça. O arrependimento bateu poucos anos depois. Ele não se arrependeu porque acha que isso me fez algum mal, até porque não fez mesmo. O arrependimento paterno tem motivo mais pragmático. Para convencê-lo de que eu era péssimo de enxada, não usei palavras. Em vez de arrancar o mato, as ervas daninhas, eu capinava as moitas de arroz e de mandioca. Nunca me deu uma foice. Tinha certeza da minha inabilidade para roçar pasto, mas ainda cria que eu serviria para algo na fazenda. Embora não contasse o motivo, eu chorava para não ter de ir à roça. Gostava apenas de levar o almoço que minha mãe fazia. Carregar as marmitas debaixo do sol do meio-dia era divertido. Afinal, era rapidinho. Eu teria a manhã e a tarde toda para ler na mangueira, meu local predileto, e à noite não estaria tão cansado. Somente aos 11 anos papai percebeu a minha inaptidão total para os serviços rurais. Uma frase – vou ser fiel à transcrição – mudou o roteiro das coisas em 1995: “Eu comprei um barracão na rua e ocê vai mudar pra lá com a sua mãe e a Tatiane”. Rua é como ele chama a cidade, Itapuranga, até hoje. Desde então, há 12 anos, volto ao Córrego da Onça apenas a passeio, algum final de semana de dois em dois meses. E não é de ver que ele não se arrependeu da decisão? É provável que eu dava prejuízo na colheita. Ainda bem que ele não parou para calcular quantos pezinhos de arroz e mandioca – era só o que plantávamos – eu cortei propositalmente. O que mais o intrigou foi a minha contradição. Cresci dizendo que queria ser igual a ele quando crescesse: comprar uma enxada e ir para a roça. Pois, João.

“Conte sua história Pois sua memória Pode um dia se apagar”
Pato Fu, em Mamã Papá

4 comentários:

Mayara Vila Boa disse...

kkkkkkkkk
Ainda bem que seu pai percebeu a sua inaptidão para o trabalho rual, ou, teríamos perdido um jornalista!
bjos

KK disse...

Linda história.

Rodrigo Alves disse...

Adorei a história. Se você a escreveu é porque seu pai tomou a decisão certa. Abração.

Deire Assis disse...

histórias de família são sempre histórias de família.

gostei muito.