sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Cidade de políticos tacanhos


Gosto muito de Goiânia, que me oferece boas oportunidades se comparadas com a falta de perspectivas que assolou minha origem. É uma cidade relativamente tranqüila. Só questiono a afirmação quando acesso o noticiário policial, tomo um ônibus ou procuro um salário decente. Gratidão e ressentimento à parte, uma sensação esquisita toma conta de mim sempre que retorno de alguma viagem. Só me consolo quando vou a Palmas. Se o destino é o Centro-Sul, boto na cabeça que é eterno enquanto dura. Isso porque ainda não saí do Brasil. Tenho medo de o efeito se alargar após a primeira viagem ao exterior.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Jorge da Capadócia


Depois de cinco assaltos, um furto e uma tentativa de seqüestro, “naturalmente” desenvolvi indícios de síndrome do pânico. É terrível. Raramente estou em casa. Quando estou, raramente tem mais alguém. Quando estou em crise, levo duas horas para tomar banho. Nos primeiros cem minutos, abro e fecho a porta do banheiro várias vezes. É só eu trancá-la que ouço barulho do cadeado da sala sendo aberto. Pé por pé confiro que não passa de imaginação, projeção do medo. Ligo o chuveiro e escuto passos na casa. Novamente, cauteloso checo e, surpresa, é coisa da minha cabeça. Toca o telefone. Sacanagem: do outro lado da linha ninguém se pronuncia. Perdi a noção do limite entre o que imagino e o que de fato ouço quando estas ocasiões vêm à tona. Na rua o temor é ainda mais superdimensionado. É um terror. Tenho medo até da minha sombra. Não precisa me cutucar para que eu assuste. Basta me fazer cócegas. Quando me toquei que se trata de pânico, me tornei devoto de São Jorge e recorro à intercessão dele sempre que me vejo diante de uma situação real ou imaginária de assalto ou qualquer outro risco. Desde então, fiz dessa música do Jorge Ben Jor a minha oração a São Jorge Guerreiro. Na verdade, Jorge fez da oração a letra da música:

Jorge sentou na praça


Na cavalaria


Eu estou feliz


Porque eu também


Sou da sua Companhia


Eu estou vestido


Com as roupas


E as armas de Jorge


Para que meu inimigos


Tenham pés e não me alcancem


Para que meus inimigos


Tenham mãos e não me toquem


Para que meus inimigos


Tenham olhos e não me vejam


E nem mesmo pensamento


Eles possam ter


Para me fazerem mal


Armas de fogo


Meu corpo não alcançarão


Facas e espadas se quebrem


Sem o meu corpo tocar


Cordas e correntes se arrebentem


Sem o meu corpo amarrar


Pois eu estou vestido


Com as roupas e as armas de Jorge


Jorge é de Capadócia


Salve Jorge, salve Jorge


Salve Jorge, salve Jorge

terça-feira, 26 de agosto de 2008

É Freud


Faculdade serve para muitas coisas. A disciplina de Psicologia Social também. Annelyse, didaticamente, explicou que a psicanálise prega que criticamos nos outros o que não aceitamos em nós. Ok. Agora, depois da teoria, contextualizo. Sábado, no Bolshoi, fiquei observando um grupo de três mulheres. São maduras – depois descobri que o termo só pode ser aplicado à idade, porque uma delas não tem maturidade -, bonitas, elegantes. Reparei como estavam vestidas distintamente, mas elegantes, cada um em seu estilo. Quando saí, passaram por mim. Comento, infelizmente alto, com a Iris: “Aquela baixinha me lembra o estilo da Eula. Gosta de botas, vestido. A maior é parecida com você. Calça pantalona, blusa mostrando a barriga, mas sem ser vulgar”. Não tive tempo de comentar sobre a terceira, que achei a mais fina, de saia xadrez, escarpin, uma diva. A maior, que julguei parecida com a Iris, logo voltou com a garrafa na mão: “Quem é gorda aqui, meu filho? Seu gordinho "!@#$%¨&*()_+...”. Me atacou gratuitamente e equivocada. Não expliquei que estava, ao contrário do que pensaram, elogiando, porque até convencer que focinho de porco não é tomada já teria ganhado garrafada na cabeça. Eu vivo às turras com a balança. Sou vítima do efeito sanfona, ora emagreço, ora engordo, porém, não desconto em ninguém. Ela, que tem um corpo normal, nem gorda nem magra, deve ser complexada. Ou, ainda, naquele dia, a mãe, o namorado, o ficante, o feirante, o taxista, a amiga que queria derrubar, alguém disse que ela estava gorda. Ficou com aquilo na cabeça e tudo o que ouvia rimava com “gorda, gorda, gorda”. Então, para se vingar, aproveitou a primeira oportunidade para afirmar que quem era gorda ali não era ela. Tão bonita, mas tão precipitada...

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Digno de compaixão


compaixão com.pai.xão sf (lat compassione) Dor que nos causa o mal alheio; comiseração, dó, pena, piedade.

O sorriso se justifica pelo som, pelo sol, pelas perspectivas da jornada que reinicia, pelo próprio sorriso. Não tem como não começar bem a semana quando, na manhã da segunda-feira, a caminho do trabalho, se ouve aleatoriamente no playlist do MP3 Amy Winehouse, Djavan, Luiz Melodia, Mônica Salmaso e Norah Jones. Os espectadores involuntários podem não entender, mas a música ambienta a paixão. Pena que, nesse caso, trata-se ainda apenas de auto-paixão. Digno de compaixão.

domingo, 24 de agosto de 2008

Escolhi ser feliz


Desconfio de quem ainda não sabe o que é ser feliz. Momentos tristes até eu tenho. Coisa de momento é conceito de tristeza e alegria. Felicidade e infelicidade fazem parte da essência. Ou se é feliz ou se é infeliz. O verbo estar deve ser aplicado somente à alegria e à tristeza. Contentamento versus angústia. Se o contrário acontecer, há um problema sério. Pior do que isso, insolúvel. Porque problemas sérios todos nós temos. É o financiamento a ser pago até o dia 15. Esquecimento incorre em multas, juros e outras taxas que desequilibram nosso orçamento. É aquele dente com sensibilidade exacerbada, que nem Sensodyne e enxagüante bucal dão jeito. É aquela seleção na qual fomos reprovados. É aquele flerte que não conseguimos evoluir. É aquela fonte que pediu para retornarmos às 15. Pior. Às 20h50. Ligação refeita e o cara não atende. É a segunda-feira que tem de começar às 6 horas. É a sexta-feira que nem sempre acaba na madrugada de sábado. É aquela impossibilidade de balizar. É aquela amiga que você jurava que era, de fato, amiga. É aquele gerente que não te deixa em paz. É aquele professor que insiste em dizer que não tem nada contra você, mas não vai com a sua cara. É o show no Jaó que começa com horas de atraso. É aquele show do Ney Matogrosso que você jura que não vai começar no horário, mas ele é velho, sistemático e não se atrasa. Como você, atormentado pelos constantes atrasos, chega meia hora depois, são 30 minutos a menos de show. É aquela timidez que acha que te impede de ser feliz. Mas, na verdade, só aumenta seu charme. É aquele assessorado que pede orientação no domingo às 18h10 via e-mail, quando não liga na quinta-feira às 23h30. É sua mãe que se descobriu hipertensa e diabética. É seu pai que sofreu um acidente e quebrou todas as costelas. São os quilômetros de distância em rodovia caótica que os separam. É aquele tênis que você tanto quer, mas que foge da sua previsão orçamentária. É aquela camisa linda na liquidação. Não tem seu número! É aquele cabelo branco aos 23 anos. É aquele ponteiro da balança que não indica menos de 80. É aquela janela do MSN que nunca sobe. É aquele scrap que nunca chega. É aquele torpedo do Ciao. Bella, mesmo que você não goste de pagode e sertanejo, que te atormenta à noite, enquanto você espera aquela mensagem. É o telefone que toca. Pena. É engano. É o ar condicionado que te deixa sem voz. É o calor que te vence. É o aparelho ortodôntico que faz aniversário de cinco anos sem previsão de abandono. É a Adriana Calcanhotto que canta Fico assim sem você e você não tem de quem lembrar. É a espera em Congonhas. É a solidão em Ipanema. É o desassossego em Salvador. É Porto Alegre que não chega. É o isolamento no quarto do hotel. É o auto-abraço. Melhor assim do que viver sem. É o pior castigo. É a oração apressada. É a Bibi Ferreira em apresentação única logo no dia do seu plantão. É o Lulu Santos só para convidados. E você não está na lista. É a falta de percepção. É a distância. É a saudade. É o cardápio. É saber que inverno em Goiânia nunca mais. É saber que agosto passou a ser verão sem chuva. É ouvir Skyline Pigeon sozinho. Ainda assim, me considero a pessoa mais feliz do mundo. Não preciso de motivos meteóricos para isso. Minha felicidade não é fruto da minha juventude, do meu trabalho, dos meus estudos, das minhas duas famílias lindas – uma biológica e uma adotiva -, das minhas viagens, roupas, bebedeiras, livros, menus, peso, altura, cor. É resultado do meu conceito de vida. Há quatro anos adotei a postura de ser feliz incondicionalmente. Sigo à risca.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Eu gosto dos que têm fome





Senhas 1992
Adriana Calcanhotto
in: Senhas 03:35




Eu não gosto do bom gosto


Eu não gosto de bom senso


Eu não gosto dos bons modos


Não gosto


Eu agüento até rigores


Eu não tenho pena dos traídos


Eu hospedo infratores e banidos


Eu respeito conveniências


Eu não ligo pra conchavos


Eu suporto aparências


Eu não gosto de maus tratos


Mas o que eu não gosto é do bom gosto


Eu não gosto de bom senso


Eu não gosto dos bons modos


Não gosto


Eu agüento até os modernos


E seus segundos cadernos


Eu agüento até os caretas


E suas verdades perfeitas


O que eu não gosto é do bom gosto


Eu não gosto de bom senso


Eu não gosto dos bons modos


Não gosto


Eu agüento até os estetas


Eu não julgo competência


Eu não ligo pra etiqueta


Eu aplaudo rebeldias


Eu respeito tiranias


E compreendo piedades


Eu não condeno mentiras


Eu não condeno vaidades


O que eu não gosto é do bom gosto


Eu não gosto de bom senso


Eu não gosto dos bons modos


Não gosto


Eu gosto dos que têm fome


Dos que morrem de vontade


Dos que secam de desejo


Dos que ardem

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Eu não resisto a um bom texto bom


Eu não resisto a um bom texto bom. É por isso que, mesmo sem intimidade, diariamente me locomovo por aqui. Paro, religiosamente, em blogs de pessoas que não me conhecem. Leio. Releio. Reflito. Até me emociono. Não consigo. Comento. Assim, se justificam minhas visitas virtuais a Vinícius Sassine, Deire Assis, Carla Borges, Aline Leonardo, Rimene Amaral, Rodrigo Alves, entre outros. E, impossível de conter, comentários, como se nos conhecêssemos, assinados por um anônimo sob a alcunha de Joãozinho. Ou João Camargo Neto. Ou Não existe pecado. Coisas de Google e família. Coisas de leitor ávido por identificação, por vida em forma de textos, por textos em forma de vida. Coisas minhas. Tão minhas.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

E os goianos, o que são?


João Camargo Neto: Cariocas são bonitos, bacanas, sacanas, dourados, modernos, espertos, diretos e não gostam de dias nublados. Cariocas nascem bambas, craques, têm sotaque, são alegres, atentos, sexys, tão claros e não gostam de sinal fechado. Você conseguiria definir os goianos, tal como fez com os cariocas?

Adriana Calcanhotto:
Acho que não conseguiria, precisaria morar aí...

João Camargo Neto:
E você, leitor?

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

E eu que achava que não existe pecado


Me enganei ao concordar que não há pecado. Na verdade, existe um: beber sozinho. E o pior é que já o cometi. Ando resistindo à tentação para não cair nele novamente, mas tem sido cada vez mais difícil. Tenho vontade de beber uma latinha antes de dormir. Relaxaria e capotaria em paz. No sol das tardes de domingo também bate aquele desejo de molhar a goela com o líquido fermentado. Volto a Pirenópolis há cerca de dois anos. Gente, foi deprimente. Fui sozinho em uma viagem a trabalho. Depois da tarefa cumprida, final de noite, sentei na mesa de um bar da Rua do Lazer e pedi uma cerveja. Que depressão! Quase chorei. Eu bebia, bebia e, quanto mais bebia, mais a cerveja se procriava. Tive a impressão de que não acabaria com ela nunca, mas senti que ela me exterminaria, porque estava me deixando para baixo. Foi nessa situação que me toquei que MC Catra é um experimento científico infeliz e malsucedido do Biquíni Cavadão. Eu, hein?! Saí daquela situação em 30 minutos antes que ela não saísse de mim. Hoje, toda vez que me dá vontade de beber e estou sozinho, rememoro o fato e tomo um achocolatado.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Pizza austríaca


Comer bem e barato em Goiânia é possível. Recomendo, desta vez, o Café Áustria. Trata-se de uma pizzaria no Setor Pedro Ludovico Teixeira, de propriedade de um austríaco. Fica entre o Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo) e o Terminal Izidória. O espaço é pequeno e simples, porém, bem decorado e com músicas agradáveis. Minha indicação é a pizza Viena. Divina!


P.S.: Comece o pedido pelo vinho. A adega não é climatizada e você precisará pelo menos de meia hora para tomá-lo na temperatura ideal, já que é resfriado com gelo no balde. Demore um pouco para pedir a pizza. Em três minutos fica pronta. É assada em forno à lenha.


Serviço

Pizzaria e Café Áustria
Rua 1028, Quadra 65, 102, Goiânia
+55 (62) 3281-2095

domingo, 10 de agosto de 2008

Nenhuma medalha até agora


Competições esportivas mundiais sempre me frustraram. Com exceção à Copa do Mundo, esses eventos competitivos internacionais me amarguram do início ao fim. Como o Brasil não investe maciçamente em outros esportes que não sejam o futebol, nosso país sempre sai mal colocado. Até agora, nenhuma medalha nas Olimpíadas. Nações bem menores, como Coréia do Sul, começam e terminam à frente da gente. O que eu gosto mesmo de ver são as aberturas. Jamais vou esquecer o início dos Jogos Pan-Americanos, ano passado, no Rio de Janeiro. Elza Soares, recém-operada, cantando o Hino Nacional, e Adriana Calcanhoto interpretando Acalanto, do Dorival Caymmi, são inesquecíveis. Ivone Silva estava ansiosa pelo início desses jogos de Pequim. A onda horrorosa de dar inveja a Hitchcock que toma conta do noticiário fez até que eu também os aguardasse com expectativas. Mesmo que o índice brasileiro não seja à altura de sua magnitude, é melhor que os jornais sejam tomados de notícias esportivas made in China.

sábado, 9 de agosto de 2008

Sem vocação para vendas


No primeiro dia útil em Itapuranga, aos 11 anos, fui até uma sorveteria bem cedo e peguei um carrinho de picolé para vender na rua. Fiquei plantado no centro da cidade bem na esquina de um banco, que ficava de frente para outro. Movimento grande: aposentados, catireiros, agiotas. Minha expectativa era vender muito para que, quando fosse entregar o carrinho, ganhasse um picolé de recompensa, além das moedas. Vendi apenas um. Quem comprou? Dona Alzira Maria de Moura, minha professora do pré à quarta-série, que deu aula também para meu pai e meus tios. Ela tinha ido à cidade sacar o salário e, caridosamente, foi minha primeira cliente. E última. Percebi-me sem vocação para vendas. Na verdade, eu queria vender porque meu primo Léo vendia picolé empurrando carrinho na rua também. E vendia tanto que, além do percentual em cima das vendas, ganhava um picolé ao final do dia. E era essa cortesia que eu almejava. Consegui me explicar o meu fracasso. O insucesso da empreitada teve um motivo relevante. Na quinta série eu estudava à tarde. Então, só podia trabalhar de manhã. De manhã, faz frio. No frio, ninguém compra picolé. Voltei para casa já pensando em outra tentativa. Em outro segmento, claro.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Perdão por ter mentido, pai

Quando fiz seis anos meu pai começou a me levar para a roça. O arrependimento bateu poucos anos depois. Ele não se arrependeu porque acha que isso me fez algum mal, até porque não fez mesmo. O arrependimento paterno tem motivo mais pragmático. Para convencê-lo de que eu era péssimo de enxada, não usei palavras. Em vez de arrancar o mato, as ervas daninhas, eu capinava as moitas de arroz e de mandioca. Nunca me deu uma foice. Tinha certeza da minha inabilidade para roçar pasto, mas ainda cria que eu serviria para algo na fazenda. Embora não contasse o motivo, eu chorava para não ter de ir à roça. Gostava apenas de levar o almoço que minha mãe fazia. Carregar as marmitas debaixo do sol do meio-dia era divertido. Afinal, era rapidinho. Eu teria a manhã e a tarde toda para ler na mangueira, meu local predileto, e à noite não estaria tão cansado. Somente aos 11 anos papai percebeu a minha inaptidão total para os serviços rurais. Uma frase – vou ser fiel à transcrição – mudou o roteiro das coisas em 1995: “Eu comprei um barracão na rua e ocê vai mudar pra lá com a sua mãe e a Tatiane”. Rua é como ele chama a cidade, Itapuranga, até hoje. Desde então, há 12 anos, volto ao Córrego da Onça apenas a passeio, algum final de semana de dois em dois meses. E não é de ver que ele não se arrependeu da decisão? É provável que eu dava prejuízo na colheita. Ainda bem que ele não parou para calcular quantos pezinhos de arroz e mandioca – era só o que plantávamos – eu cortei propositalmente. O que mais o intrigou foi a minha contradição. Cresci dizendo que queria ser igual a ele quando crescesse: comprar uma enxada e ir para a roça. Pois, João.

“Conte sua história Pois sua memória Pode um dia se apagar”
Pato Fu, em Mamã Papá

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Uso meu casaco de ursinho panda onde, quando e como quiser


Enquanto almoçava naquele restaurante sempre barulhento – estou envelhecendo – lembrei de uma história constrangedora e engraçada. Até os 11 anos, morei na fazenda com pai, mãe e irmã. Nessa idade, chegou a hora de fazer a quinta série e a professora da zona rural, dona Alzira Maria de Moura, dava aula somente até a quarta. Mudamos mãe, irmã e eu para Itapuranga. O pai ficou na fazenda e só o víamos às quartas, quando ele ia de bicicleta à cidade, e aos finais de semana, quando vovô nos buscava para passarmos o fim de semana em casa. No primeiro dia de aula, coloquei o meu melhor moletom. Era lindo. Meu pai comprou para o início das aulas. Era branco com ursinhos pretos. Bem meigo mesmo. Eu estava louco para usá-lo logo. E nada melhor do que estreá-lo no primeiro dia de escola urbana. Tudo bem até aí, não fosse fevereiro – calorzão. Quer saber mais? Meu turno era o vespertino. Nem aí, fui de blusa de frio para o colégio. Claro! Queria usar aquela peça bem como Adriana Calcanhoto quer comer Caetano até hoje. Aquela não foi a minha primeira vexação em público em ambiente educativo. Na fazenda, eu era sempre ridicularizado. Lembro que, debaixo do sol das 13 horas, na calçada, acompanhado de mãe e irmã, estava todo lindo com a blusa de manga longa. Risos daqui. Risos dali. Até que saquei que estavam me chacoteando porque eles juram que casaco não combina com o sol da uma da tarde de um fevereiro itapuranguense. Discretamente, fui ao banheiro. Acho que foi a primeira vez que tirei a roupa de frio sem a ajuda da minha mãe. Voltei, todo tímido – coisa de sagitário -, para o lado dela, já sem minha roupa nova. Soou o apito. Todos entraram. Minha mãe foi embora. Eu fui estudar. Ninguém tocou no assunto.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Maré de saudade


Seu Pensamento

Composição: Adriana Calcanhoto

A uma hora dessas
Por onde estará seu pensamento
Terá os pés na terra
Ou vento no cabelo?
A uma hora dessas
Por onde andará seu pensamento
Dará voltas na Terra
Ou no estacionamento?
Onde longe Londres Lisboa
Ou na minha cama?
A uma hora dessas
Por onde vagará seu pensamento
Terá os pés na areia
Em pleno apartamento?
A uma hora dessas
Por onde passará seu pensamento
Por dentro da minha saia
Ou pelo firmamento?
Onde longe Leme Luanda
Ou na minha cama?

domingo, 3 de agosto de 2008

Ilusão é coisa para travesseiro


É triste ser tão só, tão carente. A qualquer sinal de simpatia, a gente já colore o gesto e imagina situações de bem-querer. Mesmo quando, na verdade, não passa de um sinal puramente amistoso. Quando se acha que algo pode dar certo, o fim já é avistado. Tão efêmero. Não começa e já acaba. Nada como ouvir o novo álbum do Zuco 103 – apesar de o título ser After the Carnaval – e ter de quem lembrar. Isso ninguém tira! Ligar e a chamada ser inócua, senão dói, ao menos aflige. Ficar de butuca para ver se aparece. Olhar o relógio e calcular quantos minutos – sendo que são horas, dias – faltam. Olhar para frente e perder-se no tempo, sem esperança. Lembrar. Imaginar-se do lado. Junto. Situação confusão. Para quem vem e para quem vai. Para quem fica, então, lágrimas nos olhos.