segunda-feira, 31 de março de 2008

José Maria, tchau



Há um certo gesto de virilidade que merece desconfiança, quer se trate da sua própria, quer da virilidade de outros (...)
É só como mentirosos que [os machões] se tornam verdadeiramente sádicos, agentes de repressão.
Essa mentira, porém, não é outra coisa senão homossexualidade recalcada a se apresentar sob a única forma aprovada: a heterossexual.
Theodor Adorno
...
Sempre que pode, o conservador José Maria e Silva escreve asneiras sobre a homossexualidade. Em artigo na atual edição do Jornal Opção (Ditadura Gay - Um crime finalmente confessado), o qual revela estar deixando após 15 anos, novamente despeja afirmações sem sentido sobre a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo. Novamente porque ele adora difamar o movimento gay. Talvez Freud, ou até mesmo Adoro, expliquem.



"Ao lon­go dos anos, se­cre­tá­rios e mi­nis­tros de sa­ú­de, bem co­mo mé­di­cos, en­fer­mei­ras, psi­có­lo­gos e ou­tros pro­fis­si­o­nais da área, não re­lu­tam em frau­dar a ci­ên­cia — re­pi­to: frau­dar a ci­ên­cia — pa­ra pro­te­ger os gays de uma ver­da­de que é in­con­tes­tá­vel: eles sem­pre fo­ram e nun­ca dei­xa­ram de ser um gru­po de ris­co pa­ra a dis­se­mi­na­ção da Aids. So­bre­tu­do, quan­do têm um com­por­ta­men­to pro­mís­cuo". José Maria, o termo que cabe aí é "somente". Jamais "sobretudo".



"Lo­go, é pra­ti­ca­men­te im­pos­sí­vel que to­da es­sa gen­te es­tu­da­da — com mes­tra­do, dou­to­ra­do e pós-dou­to­ra­do em sa­ú­de até no ex­te­ri­or — não sou­bes­se que a Aids vi­nha cres­cen­do en­tre os gays du­ran­te to­dos es­ses anos". José Maria, toda essa gente estudada - com mestrado, doutorado e pós-doutorado em saúde até no exterior - é formada por gays também. E, certamente, gays que se cuidam e não consideram o fator homossexual como de risco. Porque, por si só, não o é.



"Tam­bém era im­pos­sí­vel que es­sa gen­te di­plo­ma­da não des­con­fi­as­se que os ho­mos­se­xu­ais nun­ca re­pre­sen­ta­ram en­tre 15 e 20 por cen­to da po­pu­la­ção — co­mo o mo­vi­men­to gay afir­ma, sem­pre que quer jus­ti­fi­car o fi­nan­cia­men­to pú­bli­co de su­as pa­ra­das". José Maria, sinceramente, o percentual deve superar - e muito - a casa dos 20 por cento. Então, realmente é válido desconfiar dos que dizem que os gays representam apenas entre 15 e 20 por cento da população.



"Es­ses da­dos só ago­ra re­ve­la­dos (ape­sar de co­nhe­ci­dos, não te­nho dú­vi­da), mos­tram que as au­to­ri­da­des sa­ni­tá­rias men­ti­ram pa­ra a po­pu­la­ção ao lon­go de to­dos es­ses anos em que inun­da­ram ca­sas e es­co­las com por­no­gra­fia dis­far­ça­da de pre­ven­ção, com a co­ni­vên­cia da im­pren­sa". José Maria, não entendi. O que é pornografia disfarçada de prevenção? Você se refere aos preservativos? Se for, de fato, você não fala coisa com coisa. Considerar camisinha ou material informativo sobre prevenção como pornografia é viajar na falta de noção.



"De­pois de tan­ta la­va­gem ce­re­bral em fa­vor dos gays, nem mes­mo es­ses da­dos gri­tan­tes se­rão su­fi­ci­en­tes pa­ra que as pes­so­as per­ce­bam que os gays con­ti­nuam sen­do (e nun­ca dei­xa­ram de ser) gru­po de ris­co". José Maria, minha mãe, que tem quase 50 anos, estudou apenas até a segunda etapa do ensino fundamental e mora na zona rural no interior, é mais esclarecida sobre homossexualidade do que você, que é mestre e mora na capital, centro da informação. Grupo de risco é quem pratica sexo sem se cuidar. Aí independe se é homem com homem, mulher com mulher, homem com mulher ou mulher com homem.



"Pro­va dis­so é que, mes­mo di­an­te des­ses da­dos que mos­tram que as cam­pa­nhas cal­ca­das na ca­mi­si­nha fra­cas­sa­ram com­ple­ta­men­te, o Mi­nis­té­rio da Sa­ú­de vai con­ti­nu­ar in­ves­tin­do na por­no­grá­fi­ca cam­pa­nha do pre­ser­va­ti­vo". José Maria, para você, o que é pornografia? Nunca vi nada obsceno em campanha anti-Aids.



"Há cer­ca de dez anos (creio que em 1999), eu que não sou es­ta­tís­ti­co nem au­to­ri­da­de sa­ni­tá­ria, ten­do por ba­se as pró­pri­as in­for­ma­ções do Mi­nis­té­rio da Sa­ú­de, es­cre­vi um ar­ti­go em que du­vi­da­va da efi­cá­cia das cam­pa­nhas de pre­ven­ção à Aids cen­tra­das na ca­mi­si­nhas e afir­ma­va já no tí­tu­lo do re­fe­ri­do ar­ti­go: “O pro­ble­ma da Aids é mo­ral, sim”". José Maria, é nítido que você não é estatístico nem autoridade sanitária.



"Só que es­se pla­no de es­ta­bi­li­za­ção do HIV com­por­ta um sé­rio pro­ble­ma — o es­pe­cu­la­dor do se­xo, co­mo o das bol­sas, gos­ta de cor­rer ris­cos. E o pra­zer, seu ca­pi­tal vo­lú­vel, não se in­ti­mi­da em des­tru­ir fa­mí­lias, en­gra­vi­dar me­ni­nas e dis­se­mi­nar a Aids”". José Maria, ao menos aqui você foi sensato. E, talvez sem querer, assumiu que o risco de se contrair HIV não é exclusivo nem predominante entre os homossexuais. Não são somente os gays que transam. Não são apenas os gays que contraem o vírus.



José Maria, tchau.


Certa vez me perguntaram, num grupo de estudos conservador, que prova eu tinha de que a homossexualidade é muito mais uma orientação do que uma escolha, e fui obrigado a responder com muita sensibilidade: a minha vida.
Andrew Sullivan



Afirmo desde o início: “Não tenham medo!”. Essa é a mesma exortação que ressoou no início do meu ministério na Sé de São Pedro...
Do que não devemos ter medo?
Não devemos ter medo da verdade sobre nós mesmos.
Papa João Paulo II

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