sábado, 1 de março de 2008

Testando


Testando: João Gilberto enfrenta dificuldades técnicas em show nos EUA
The New York Times
14:27 21/6/4
Ben Ratliff
NOVA YORKO estratagema principal de João Gilberto é agregar a platéia dentro de sua cabeça. Não há luz, cenário, agitação ou volume alto. É só Gilberto, seu violão, uma lista de músicas da velha bossa nova e de samba, algumas milhares de pessoas e o silêncio.



Enquanto domina sua arte completamente, ele não tem carisma; Gilberto não parece interessado em proteger uma platéia ou administrar suas reações. E o menor problema pode se tornar algo irritante, para o cantor e para a platéia. Lembre-se: você está dentro da cabeça dele.

No Carnegie Hall na sexta-feira, durante o JVC Jazz Festival, Gilberto foi primeiro enervado pela falta de um banquinho apropriado para os pés. (Ele toca sentado, com seu pé direito apoiado). Isso o incomodou logo na primeira música, “Acontece Que Eu Sou Baiano”, de Dorival Caymmi. Um adequado foi fornecido. Depois ele começou a ajustar os microfones – um para o vocal, outro para o violão – e ficou ainda mais nervoso.

Gilberto, 73, foi o primeiro inventor da bossa nova. As linhas gerais básicas de seu estilo mudaram pouco em cerca de 50 anos; suas alterações improvisadas tendem a ser em níveis rítmicos mínimos.

Mas o som permanece crucial. O melhor e único modo de ouvir suas músicas de três minutos é, pare ele, que elas estejam tão bem amplificadas que você possa ouvir suas inalações e seus lábios abrindo. O sistema respiratório é uma janela para sua alma. (Que explicaria por que os produtores de “Família Soprano” deixam que você ouça a respiração asmática quando Tony come sozinho). Houve um problema com o som no Carnegie, entretanto; estava muito silencioso no fundo do salão, e os monitores de palco à direita e esquerda de Gilberto não estavam altos o suficiente.

“Por favor, me ajudem”, disse ele em seu inglês com sotaque depois da segunda música, “Caminhos Cruzados”, de Antonio Carlos Jobim e Newton Mendonça. “Por favor, alguém me ajude”, repetia ele, depois da No. 3, “Isto Aqui o Que É”, de Ary Barroso. Uns poucos ajudantes de palco espiaram para fora das coxias, talvez incertos do que ele estava dizendo, ou pensando se suas súplicas eram só ruído. Os membros da platéia começaram a gritar. Um assistente apareceu. A ajuda foi assegurada.

“Promessas, promessas, promessas”, suspirou Gilberto. Ele continuou a começar outras músicas, e uma delas, “Foi a Noite”, de Jobim e Mendonça, que ele nunca gravou, mostrou um controle encantador.

Mais umas poucas músicas foram cantadas. Depois de “Corcovado”, de Jobim, Gilberto apontou para os monitores novamente. “Nenhum som”, disse ele. “Ninguém está fazendo nada. Só falar, falar, falar”. Ele cantou com irritação o refrão de “Samba de uma Nota Só”, de Jobim, e depois tocou a música, sobre pessoas que falam, falam e não dizem nada. Depois de um falso início de “Pra Que Discutir com Madame?”, dois membros da platéia pularam no palco para dizer a ele que ainda não conseguiam ouvi-lo.

“É como ser negro, sem a luz, não vendo nada”, reclamou Gilberto, apertando os olhos e balançando as mãos como se estivesse cego. Até lá já se havia passado 45 minutos de show. Isso foi um sonho? Nosso ou dele?

Ele fez uma pausa de oito minutos com as luzes da casa acesas. Os microfones foram considerados muito sensíveis e substituídos. Gilberto os havia fornecido, mas não os tinha testado na passagem de som, afirmou o produtor do concerto, George Wein. Mas isso não explica por que demorou tanto para que consertassem o problema.

Estranhamente, o resto do show – que ultrapassou as duas horas – foi incrivelmente bom, incluindo umas poucas outras músicas que Gilberto não gravou, e uma em inglês, espanhol e italiano. Sua voz era suave e precisa, mais ainda do que em “João Gilberto em Tóquio” (Verve), seu novo álbum ao vivo. Para alterar o timbre e a projeção, deixando você ciente da estratégia, ele enrugou o nariz para obter um som de trombone, recuou como Bogart para conseguir um som agudo da parte da frente de sua boca, fez um “O” bem apertado com seus lábios para trazer à tona tons mais profundos.

Dentro de parâmetros silenciosos, Gilberto tocou incessantemente com ritmo, acentuando partes estranhas de palavras ou emendando duas frases para embaralhar as letras sobre a música. Seu acompanhamento ao violão imprimia o balanço do samba de rua; em suas suaves notas baixas havia a batida do surdo.

Quase sussurrando, ele fechou com “A Felicidade” arredondada por uma série de desafinações. E a repetição, incluindo a obrigatória “Garota de Ipanema”, saiu da linda música italiana “Estate”, escrita por Bruno Martino; quando ele cantou a palavra profumo, você era capaz de ouvi-la como um fluxo de som, do nariz e boca, vibrando em seu cérebro quase como se você a estivesse cantando.

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