sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Maria pouco antes do fim


Tudo o que Maria menos queria naquele momento era estar com câncer. Apesar de pontadas de desmotivação nos últimos meses, tinha um futuro promissor.
A doença não poupa ninguém. Abate o culto e o inculto. Maria descobriu logo no início, mas a desesperança corrompia desde já o seu coração.
Havia poucos dias, seu pai lembrou que fazia um ano que uma prima tinha partido pelo mesmo motivo. Ficou pouco tempo doente. Era penoso vê-la.
Maria era castigada pelo esclarecimento. Enfermeira por formação, tinha total ciência das suas chances. Por outro lado, sabia também que um milagre – ou até mesmo a medicina sozinha – poderia curá-la. A estatística não colabora.
Temia sentir-se obrigada e voltar à igreja. Deixou de congregar no início da juventude. Até então, dedicou toda a sua infância e adolescência à defesa fervorosa e, por vezes, irracional, daquilo que julgava ser sua fé.
Não acredita em castigo. Deus – jamais deixou de acreditar nEle – não a penalizaria tão cruelmente porque desmembrou-se do Seu corpo físico esconjurando sacerdotes e alienados.

Por ora, nada de dor física. Apenas o sofrimento ampliado por, já no primeiro exame, descobrir que eram dois cânceres. “Meu Deus, não basta um?” Além do crânio, seu sangue também estava todo contaminado. Leucemia. A única certeza que restou era a de que não suportaria.

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